quinta-feira, 27 de setembro de 2007

A Felicidade não tem boa alma!

Eu já estava atrasado e sabia que, se não me apressasse, perderia o ônibus para a faculdade. Por isso penteei os cabelos com pressa diante do espelho e logo peguei a minha pasta para sair.
Mas quando meus dedos tocaram-na, meu olhar repentinamente desviou-se para a estante de livros ao lado. Eu, com a mão sobre a pasta, avistei o romance de Capitu.
Meu coração estremeceu e começou a pulsar forte. Aquele livro de Machado de Assis havia sido o motivador de todo o contato entre mim e Clarice. Lembrei-me de quando estava no primeiro semestre da faculdade. Eu conversava com o Carlos nas mesinhas que ficam no pátio do centro universitário. Era a hora do intervalo. E aquela menina, morena e de olhos verdes, aproximou-se de nós. Ela vinha com uma amiga. As duas pediram licença e sentaram nas cadeiras vazias da mesa que meu amigo e eu nos encontrávamos.
A nossa conversa era sobre política. Lembro-me que Carlos defendia o presidente, enquanto eu o fazia fortes críticas, devido às corrupções que o partido havia mergulhado. As duas meninas conversavam sobre Literatura. Mas precisamente sobre a obra machadiana. Ela, a Clarice, era apaixonada pelo autor e tencionava fazer um estudo aprofundado sobre a sua obra.
Embora nossos assuntos fossem diferentes, não me recordo como, mas logo estávamos os quatro falando sobre Literatura. Assim, Clarice e eu nos conhecemos e nos tornamos amigos, o que posteriormente resultaria em nosso namoro.
Da Literatura de Machado de Assis, eu havia lido todos os romances e nossas discussões foram profícuas sobre a estória enigmática de Bento e Capitolina. Clarice me presenteou, depois, com este romance para que eu o lesse mais uma vez. Ela não aceitava os argumentos de defesa que eu mantinha em relação à Capitu.
Em poucos dias, estávamos namorando sério e muitas cadeiras da faculdade cursamos juntos, embora ela tivesse um semestre à minha frente. Ao seu lado passei momentos inesquecíveis de estudos e de amor também. Tornamo-nos dois apaixonados, um pelo outro, e os dois pelas letras.
As disciplinas que cursei ao lado de Clarice foram repletas de conhecimento, amor e satisfação. Mas a felicidade não dura para sempre. Minha boa vida de apaixonado só me deixou perceber isto quando, de forma repentina, Clarice chegou para mim e disse que estava de viagem marcada para outro estado. Não era um passeio. A família mudaria-se em breve.
‘E a faculdade?’ O choque foi tão intenso que não perguntei por nós, e sim pelo curso. ‘Ah! Eu vou pedir transferência. Não quero pensar nisto agora. Preciso organizar outras coisas mais urgentes para a viagem.’
Naquele momento, desconheci Clarice. Era aquela a garota que eu havia conhecido no início da faculdade e mantinha um relacionamento amoroso que perdurava até o quarto semestre? E a importância que sempre dera aos estudos? ‘Preciso organizar outras coisas mais urgentes para a viagem.’ Eu estava perplexo. E fiquei mais ainda quando descobri que a viagem aconteceu dali a três dias. Clarice se foi e não mais se despediu de mim.
Ficaram as recordações, as lembranças, a tristeza, a solidão. Eu a amava e a tinha perdido de forma incompreensível. Buscava uma explicação para aquela perda tão brusca, fora uma rapidez de relâmpago.
Estes pensamentos impedem que o meu olhar seja desviado do livro e faz com que a minha mente recorde todos estes momentos traiçoeiros que vivi com Clarice. Apesar da pressa, vou até o livro e o abro numa página aleatória e leio: ‘A felicidade tem boa alma’. Era o título de um capítulo qualquer do romance. Eu não pude deixar de sorrir. Para mim, a alma da felicidade não foi tão boa. Fechei, então, o livro. Com minha pasta, eu saí de casa e fui para o ponto do ônibus, que já apontava na esquina.
Autor: Nonato Costa.

Um comentário:

Unknown disse...

Interessantímo texto!!!! Ele faz uma viagem pensando no amor de sua vida, quando espera o ônibus. Ao longo da história que por sinal faz uma analógia como a obra machadiana, que eu considero A obra da literatua, nos deixa a pensar em Clarice, em uma mesma visão de Capitu...! Pois quais os verdadeiros motivos para duvidar do caráter de ambas? O namoro no caso foi uma intrísica ligação dos personagem em relação a obra consagrada de Machado de Assis, coisas que deverias ser recordadas como momentos sublímes que usufruiram ao lado de pessoas cultas que sabem se expressar de forma clara, não sendo erúditas e muito menos damasiadas em seus verdadeiros sentimentos... Clarice como Capitu, foi interpretada mau como relação a sua viagem, mas ela poderia tambem ter deixado subtendido como Capitu nas entrelinhas da vida. Ela só foi apenas infeliz em seu trocadilho pois deveria ter aumenos terminado o semestre para deixar ao menos feliz seu eterno amor!
Mas ao termino do texto tembem deixa claro sobre seu pensamento em relação a ambas, pois não consegiu entender seu psique{mente}...Percebemos sua essência ou melhor tristeza...
E assim pega o ônibus e segue seu caminho, novamente para faculdade.
PARABÉNS PROF:Nonato você tem um brilhante fururo como autor, assim como:Machado de Assis. E tenho certeza que irá descobrir a mente dessas duas mulheres que se fazem tão presentes em sua vida.
abraço e novamente meus parabéns.
Natália Lisck.